O mundo inacreditável e bem real das influenciadoras virtuais

Em fevereiro deste ano, a Prada contratou uma influenciadora para uma parceria, que incluía, entre outras ações, um take over de seu Instagram durante o desfile de Inverno 2018 da marca em Milão. Em meio a muitas opções, Lil Miquela (mais de um milhão de seguidores) foi a escolhida para postar fotos suas no cenário do desfile, vestida inteiramente com roupas da nova coleção que ainda seria mostrada. No perfil da marca no Instagram, Miquela fez um tour do lugar com um drone que ela controlava pelo celular.

Miquela foi nomeada It Girl do verão pela Vogue e até lançou uma música no Spotify, Not Mine, que viralizou. Ela também usa sua plataforma para chamar atenção para causas como Black Lives Matter e Black Girls Code.

Parece o trabalho de uma influenciadora no seu melhor, não fosse apenas um detalhe: Miquela não é real. É virtual. E tudo o que ela faz só mistura mais ainda a linha que separa os mundos real e virtual – é bem nesse ponto onde ela vive. Olhar seus posts no Instagram é de confundir a cabeça, mesmo sabendo que ela foi criada no computador (aparentemente, tem gente que não percebe). Miquela escreve sobre frustrações da vida humana, decepções com empresários e até mesmo com seus criadores, uma turma vinculada a empresa de Los Angeles Brud, que soluciona problemas em robótica e inteligência artificial e faz da vida de Miq (rsrs) um drama de reality show a la Kardashians. E, como boa influenciadora, ela também posta seus publiposts, parcerias com marcas, looks da Off-White e encontros com bffs como @blawko22, outra das criações da Brud.

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Tudo isso gera confusão, emoções cruzadas e traz muitas perguntas porque… Miquela não está sozinha.

Lembram em 2016 quando Lightning, a heroína de Final Fantasy, apareceu na campanha de Verão 16 da Louis Vuitton? Na época, Nicolas Ghesquière disse que “Lighting é um símbolo de novos processos pictóricos que anunciam uma nova era de expressão”. Neste caso, a LV usou uma personagem de anime, mas parece que Ghesquière antecipou uma tendência.

Lighting na campanha da Louis Vuitton / Cortesia

Neste ano, a Fenty Beauty, marca de beleza de Rihanna, repostou uma foto no Instagram de uma nova modelo, Shudu, “usando” seus produtos. Shudu é uma criação do fotógrafo britânico Cameron-James Wilson utilisando softers de inteligência artificial inicialmente usados em games. Na bio de sua conta no Instagram, ela se define como a primeira modelo digital do mundo.

Wilson criou Shudu em uma tentativa de recapturar o tipo de beleza de modelos como Alek Wek e Duckie Thot e sua intenção inicial era criar mais uma obra de arte do que uma influenciadora. “Vejo Shudu como uma celebração virtual de lindas mulheres negras”, diz Wilson. Mas assim que ela começou a fazer sucesso e foi crescendo em presença online, ele precisou tirar ela do armário e assumir sua virtualidade.

Shudu é agenciada pela The Digiitals, uma agência de modelos virtuais. Sim, isso já existe. Por enquanto você pode bookar apenas mulheres (Shudu, Brenn, Riza e Bex) e criaturas (Galaxia), mas as categorias Men e Development logo estarão disponíveis.

Aqui, um vídeo mostra como ela foi criada, inclusive como a tecnologia consegue recriar texturas e movimentos das roupas como se fossem reais.

Mercado

As influenciadoras virtuais estão fazendo dinheiro usando seus milhares ou milhões de seguidores e também recebem presentes e têm contratos. O Instagram de Shudu, por exemplo, já se provou ser uma plataforma bem lucrativa para marcas alcançarem novos mercados.

Elas parecem mais controláveis do que influenciadores reais. Quando uma marca se associa a uma pessoa famosa, seja ela estrela da internet, do cinema ou do esporte, há um risco envolvido já que não podemos prever alguns comportamentos. Celebridades digitais como Logan Paul e Julio Cocielo são apenas alguns exemplos de como as coisas podem dar bem errado. Ambos levaram as marcas a repensar suas estratégias e, claro cancelar os contratos polpudos com eles.

Isso não acontece no caso das meninas virtuais. Parece um bom negócio e, quem sabe, o futuro disso será as marcas criarem seus próprios influenciadores.

Questões filosóficas

Mas claro, tudo tem os dois lados e há alguns pontos que precisam ser observados:

– Levamos décadas para que um mínimo de diversidade passasse a fazer parte da imagem de moda. Muito esforço, trabalho, ativismo, reclamação e boicote foi necessário para que belezas fora do padrão inatingível de revistas e desfiles começassem a surgir. Essas influenciadoras virtuais são absolutamente perfeitas – seus criadores não levaram em conta o momento atual e as construíram em cima de suas próprias fantasias.

– Cameron-James Wilson, criador de Shudun, foi massacrado online quando a notícia de que ela não era uma mulher de verdade veio à tona. Entre as reclamações estão o fato de que ela é uma mulher negra criada por um homem branco, uma pessoa virtual contratada no lugar de uma modelo negra real e a questão de que quem lucra é seu criador. “Um fotógrafo branco descobriu uma maneira de lucrar com as mulheres negras sem nunca ter que pagar uma”, diz um dos muitos tuítes de revolta.

Essas meninas existem e fazem sucesso não apenas por causa da tecnologia, mas também porque a superficialidade das redes sociais fertilizou o terreno antes. Um artigo na Dazed resume bem esse fenômeno. As redes sociais e os influenciadores que mostram suas vidas nas plataformas, “são uma fonte de conteúdo altamente artificial mascarada como uma documentação da realidade”, escreve Emma Hope Allwood.

Um dos fãs de Miquela, quando questionado sobre o fato dela não ser real, questiona: “Mas na realidade, não seriam todos influenciadores digitais? Você apenas sabe que ele existe porque eles existem na plataforma digital, seja ela Instagram, You Tube ou Twitter”.

Um exemplo é a foto de street style da pessoa andando na rua com cara de quem sem sabe que está sendo fotografada. A imagem postada é resultado de várias andadas de um lado ao outro até o fotógrafo captar o momento perfeito – sem os filtros ou apps que suavizam imperfeições. “Como cultura, nós nos acostumamos a – e até mesmo a preferir – a versão editada das coisas. Anúncios de moda altamente produzidos, encenados e retocados são mais sobre representar uma fantasia do que representar a vida real, mas as mídias sociais transformam a vida real na fantasia”, continua a autora.

O que é fantasia e o que é real? Uma foto da dupla Mert & Marcus tem tanto photoshop que faz a modelo parecer uma boneca – a internet está cheia de “antes e depois” de fotos de celebridades e modelos. Enquanto as criações virtuais são cada vez mais convincentes e eficientes, especialistas advertem que a distinção entre o que é real e o que é fake será cada vez mais difícil de discernir.

Kate Moss fotografada por Mert & Marcus / Reprodução

Segundo Justin Rezvani, fundador da TheAmplify, agência de marketing que conecta marcas a influenciadores, a era do influenciador apenas começou e será continuada em espaços virtuais. Rezvani está na lista dos 30 visionários com menos de 30 anos na revista Forbes e disse à BBC: “Nós teremos AIs que são influenciadores com uma tonelada de seguidores que também não são pessoas reais”.

Seja lá o que nos reserva o futuro, é melhor a gente ir se preparando.

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